Militar russo é julgado no primeiro caso de crime de guerra na Ucrânia

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Um militar russo de 21 anos começou a ser julgado nesta sexta-feira(13), em Kiev, no primeiro processo por crime de guerra decorrente da invasão à Ucrânia. Ele é acusado de matar um civil ucraniano de 62 anos desarmado, ainda nos primeiros dias de guerra. O conflito chegou ao seu 80º dia neste sábado.

Segundo a acusação, o sargento, identificado como Vadim Shishimarin, atirou na cabeça do ucraniano através de uma janela de um carro na vila de Chupakhivka, no nordeste do país. Ele pertencia a uma unidade de tanque do Exército russo e pode pegar prisão perpétua na Ucrânia por violar as leis e os costumes de guerra do código penal do país.

A audiência desta sexta-feira foi breve. Um juiz pediu que Shishimarin fornecesse seu nome, endereço, estado civil e outros detalhes de identificação. Ele foi questionado se conhecia os direitos, respondendo discretamente "sim", e se queria um julgamento com júri. Ele recusou a proposta.

Questões processuais foram discutidas entre juízes e advogados e a continuidade do julgamento foi marcada para a próxima quarta-feira (18).

O advogado de defesa, Victor Ovsianikov, reconheceu que a acusação contra o sargento é forte, mas disse que o tribunal tomará a decisão final em cima das evidências apresentadas judicialmente.

Após a audiência, Ovsiannikov afirmou que foi designado para defender Shishimarin como advogado do Centro de Assistência Jurídica Gratuita. Shishimarin "certamente conhece todos os detalhes" do que é acusado, disse o advogado. A estratégia de defesa não foi detalhada.

A acusação contra o sargento é observada de perto por se tratar do caso inaugural de crimes de guerra na Ucrânia. Na audiência, dezenas de jornalistas e canais de televisão estavam presentes no tribunal.

No restante da Ucrânia, investigadores coletam evidências de possíveis crimes de guerra cometidos pela Rússia para levar ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia. Mais de 10,7 mil crimes de guerra são investigados somente pelo gabinete da procuradora-geral ucraniana, Irina Venediktova. Eles envolvem mais de 600 suspeitos, incluindo soldados russos e funcionários do governo.

Muitas das supostas atrocidades vieram à tona no mês passado depois que as forças de Moscou interromperam a tentativa de capturar Kiev e se retiraram dos arredores da capital. Cadáveres de civis espalhados nas ruas e praças e valas comuns foram descobertos em vilarejos que estavam sob ocupação russa.

Volodmir Yavorski, coordenador do Centro de Liberdades Civis em Kiev, disse que ativistas vão monitorar o julgamento do militar russo para garantir que os direitos legais sejam protegidos. Segundo ele, pode ser difícil manter a neutralidade dos processos judiciais durante a guerra.

"É surpreendente que um suspeito de crimes de guerra tenha sido encontrado e o julgamento dele aconteça. Acusações desse tipo geralmente são feitas à revelia", disse Yavorski. "É um caso raro quando conseguimos, em pouco tempo, encontrar um soldado que violou as regras internacionais de guerra". Para Yavorski, a Rússia deve realizar julgamentos semelhantes para militares ucranianos.

Questionado sobre o caso de Shishimarin, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que Moscou não tinha nenhuma informação sobre o caso e o julgamento.

O caso
Na semana passada, a procuradora-geral da Ucrânia publicou nas redes sociais, junto com o seu gabinete e o Serviço de Segurança da Ucrânia, alguns detalhes sobre as supostas ações de Shishimarin.

Em 28 de fevereiro, quatro dias depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, o sargento estava em um grupo de tropas russas que fugiram das forças ucranianas, segundo afirmou Irina Venediktova no Facebook. Eles supostamente atiraram em um carro particular, roubaram o veículo e dirigiram para Chupakhivka, uma vila a cerca de 320 quilômetros de Kiev.

No caminho, continuou a procuradora-geral, os militares russos viram um homem caminhando na calçada e falando ao telefone. Supostamente, Shishimarin foi ordenado a matar o homem para que ele não denunciasse os russos às autoridades militares ucranianas. Shishimarin atirou pela janela e o tiro atingiu a cabeça da vítima. Venediktova não identificou quem deu a ordem ao sargento.

O Serviço de Segurança da Ucrânia, conhecido como SBU, postou um pequeno vídeo no dia 4 em que Shishimarin descreve como ele atirou na vítima. O vídeo é descrito pelo órgão como "uma das primeiras confissões dos invasores inimigos". "Recebi ordens para atirar", disse o militar russo. "Eu atirei nele. Ele caiu. E seguimos em frente."

Vadim Karasev, analista político independente que reside em Kiev, afirmou que é importante que as autoridades ucranianas "demonstrem que os crimes de guerra serão resolvidos e os responsáveis serão levados à justiça de acordo com os padrões internacionais".

Embora a velocidade com que Shishimarin foi levado a um tribunal seja incomum para uma nação em guerra, o caso possui precedentes. Um soldado sérvio-bósnio, Borislav Herak, foi preso por soldados do Exército bósnio em novembro de 1992 depois de se afastar por acidente do território controlado pelos sérvios.

Durante o interrogatório e o julgamento de três semanas, ocorrido em março de 1993, ele confessou 35 assassinatos e 14 estupros e foi condenado à morte por genocídio e crimes contra civis. Posteriormente, a sentença foi reduzida para 20 anos de prisão porque a Bósnia aboliu a pena de morte.

Acusações de crimes de guerra na Ucrânia
Senad Kreho, que serviu como presidente de um tribunal militar distrital em Sarajevo em 1993, disse nesta sexta que colocar suspeitos de crimes de guerra em julgamento enquanto os combates acontecem não significa que o sistema de justiça não funcionará adequadamente.

"Várias revisões subsequentes do caso (de Herak) por especialistas jurídicos internacionais e nacionais descobriram que ele recebeu um julgamento justo", disse Kreho. "A única mudança foi que sua sentença foi reduzida, mas ele a cumpriu integralmente", acrescentou.

A guerra na Bósnia, que colocou suas principais comunidades étnicas - bósnios, croatas e sérvios - umas contra as outras, matou 100 mil pessoas, a maioria civis, e mais de 2 milhões, ou mais da metade da população do país, saíram de suas casas.

Ucrânia diz que identificou 41 casos suspeitos de crime de guerra
A procuradora-geral da Ucrânia disse que prepara acusações de crimes de guerra contra 41 soldados russos. Os casos envolvem bombardeios a infraestrutura civil, morte de civis, estupros e saques.

"Temos 41 suspeitos em casos que estaremos prontos para ir ao tribunal. Todos eles dizem respeito ao artigo 438 do Código Penal (ucraniano) sobre crimes de guerra, mas a diferentes tipos de crimes", disse Irina Venediktova. Não está claro quantos serão julgados à revelia, quando o suspeito não está presente.

Além de Vadim Shishimarin, outros dois suspeitos, presos na Ucrânia, provavelmente enfrentarão audiências preliminares na próxima semana por crimes de guerra.

Corpos de militares russos são recolhidos por ucranianos
Autoridades militares ucranianas recolheram corpos de militares russos que morreram em combates nas regiões de Kiev e Chernihiv nos últimos dias. Eles foram carregados em vagões refrigerados e devem ser devolvidos à Rússia, segundo o chefe da cooperação civil-militar da Ucrânia, Volodmir Liamzin.

"De acordo com as normas do direito internacional humanitário,que a Ucrânia segue rigorosamente, os lados devem devolver os corpos dos militares de outro país após o término da fase ativa do conflito", disse Liamzin. Em seguida, ele acrescentou que há vários trens frigoríficos no país para manter os corpos de militares russos até que eles sejam devolvidos.

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