'Não há como o Exército tomar uma decisão ilegal', afirma Santos Cruz

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O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo do presidente Jair Bolsonaro, é uma das mais importantes vítimas das fake news. Ele teve diálogos de WhatsApp fraudados para indispô-lo com o presidente. Santos Cruz defende a investigação e punição dos criminosos. O general afirma ainda que o Exército não tomará decisão fora da lei, como pretende quem quer fechar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso. Apela para a pacificação do País e se diz contrariado com a aproximação do governo com o Centrão. Eis a entrevista dada pelo general ao Estadão.

Como deve ser o comportamento dos atores desta crise para se preservar as instituições?

As pessoas públicas, que fazem parte dos Poderes, têm de cumprir a legislação, independentemente de suas características. Educação, harmonia e trato das diferenças de maneira educada devem ser regra. O bom exemplo é obrigação de todos.

O presidente compareceu a manifestação em frente ao quartel do Exército. O que o sr. achou dessa manifestação?

Eu acho imprópria pelo objetivo da manifestação (fechar o Supremo e o Congresso). Não tem ilegalidade, as pessoas que estavam na manifestação podem ir até lá, mas daí achar que o Exército vai se envolver tem uma distância muito grande. Tinha gente ali com placas AI-5, fora STF, uma variedade de objetivos. São manifestações manipuladas e estimuladas por alguém. Mas, para pressionar o Exército a tomar uma decisão fora da legislação, não tem como. O Exército não funciona baseado nesse tipo de pressão.

O sr. foi vítima do submundo das fake news. Agora, Congresso, via CPI, e STF, por um inquérito polêmico, buscam os responsáveis por esses esquemas. Como sr. vê as investigações?

Espero que cheguem à autoria. Liberdade de expressão não é injúria, calúnia e difamação. Ninguém é livre para fazer isso. Os recursos da mídia social não eliminaram o Código Penal. Deve-se ter toda liberdade, assim como deve ser responsabilizado se infringir a lei, atacar a honra com notícias falsas. Linchamento virtual, assassinato de reputação e mentira não têm nada a ver com defesa da liberdade. Alguns falam que se trata de liberdade de expressão, que ela está sendo cerceada. Ninguém está cerceando nada disso. Tem de ser penalizado quem é criminoso.

Há suspeita do uso de dinheiro público para financiar esses esquemas. O que o sr. acha disso?

É absurdo. Dinheiro público não pode ser usado para financiar notícias falsas. Tem de ver se tem pessoas que são pagas, recebem salários do setor público ou veículos que recebem dinheiro público.

Pela sua história, o sr. crê que as pessoas têm ideia da importância de combater as mentiras para preservar a democracia?

O problema não é isso me afetar, não é pessoal. Esse tipo de atividade ilegal, de mentiras e calúnias, de baixíssimo padrão de palavreado, atrapalha a educação, atrapalha o desenvolvimento da sociedade e o próprio governo, quando é feito em defesa do governo, pois a sociedade não gosta disso, ela gosta de paz social e informação válida. O ambiente fica prejudicado por esse tipo de ação.

O sr. reafirma a importância de se buscar dentro da lei os aperfeiçoamentos necessários às instituições. Ou seja, não existe saída possível fora da Constituição?

Não se pode decidir as coisas na força, no peito, na arrogância, no conflito. Você pode ter discordâncias, mas tem a legislação, em que há mecanismos para alterar as leis. Tem de ser feito tudo dentro desse sistema. Não se pode querer fazer pela força o que depende do consenso social, da convivência política. Se um Poder não está funcionando bem, sugira aperfeiçoá-lo. O que não pode é, antes de fazer isso, já partir para o conflito, o que perturba a sociedade e não leva a nada. A harmonia é obrigação do servidor público. Os Poderes têm obrigação de procurar essa harmonia.

O sr. afirma que o militar da ativa deve guardar distância do varejo da política. Como fazer isso se há cinco oficiais generais da ativa autorizados pelos comandos em cargos do governo?

Os militares, normalmente, têm preferência política e candidato. Mas, quando põem a farda e representam a instituição, têm a cultura de seguir. Isso é disciplina interna. Ninguém discute política partidária no quartel. As coisas são separadas e bem orientadas pelos comandantes. Quanto ao número de militares da ativa, isso pode trazer alguma confusão de imagem. Quem é da ativa e está prestando serviço em altos postos da administração tem a obrigação de estar alinhado com assuntos de governo. E (isso) causa confusão.

Esses oficiais, que dizem ter aceitado uma missão, deviam passar para a reserva?

Em primeiro lugar, as tarefas que estão desempenhando não são missões militares. Não têm nada a ver com as Forças. Não está cumprindo missão coisa nenhuma, está em função na qual empenhou sua responsabilidade individual, não institucional. Isso aí tem normas e os comandantes e o ministro da Defesa são responsáveis pela interpretação. É sempre conveniente a separação para não fazer confusão de imagem.

Colegas do sr. criticam as decisões monocráticas do STF contra o governo. O que o sr. acha?

Há espaço para aperfeiçoar. Alguns desacertos não são só por falta de previsão legal. Precisa haver disposição para o entendimento e para o respeito. Estamos em um processo longo de crítica e de acusação que criou um clima ruim para tratar as diferenças. É preciso aperfeiçoar o sistema.

Quais os papéis do ministro Augusto Heleno e do general Mourão na crise e no governo?

Tudo o que fazem e falam têm reflexos. Nessa conjuntura de muita disputa, os comentários deles têm grande repercussão, mas eles têm cultura e nível para gerenciar isso. Penso que o fim do filme será todo mundo se acertando, como é obrigatório pela Constituição. Vão encontrar uma solução.

Qual o significado da saída de Sérgio Moro do governo?

A saída foi uma perda grande. Ele representava mais do que a capacidade técnica dele, representava ser possível combater a corrupção.

O que o sr. acha de uma candidatura Moro em 2022?

Seria uma opção importante, que carrega a esperança de melhoria em uma área crucial, o combate à corrupção.

O sr. acredita, pelo vídeo da reunião de 22 de abril, que Bolsonaro quis interferir na PF?

Não é possível, para um espectador, chegar a essa conclusão.

O sr. participou de reuniões no Planalto. O presidente sempre se comportava daquela forma?

Até o momento que estive no governo não era daquela forma. Mesmo com as características do presidente, essa reunião me pareceu mais tensa, atípica.

O governo está nomeando indicados do Centrão para cargos. O que acha dessas negociações?

Houve mudança de postura, pois havia várias acusações e disposição de não negociar com o Centrão. Agora, o governo decidiu fazer essas negociações. É questão de momento político. Fica incoerente e sujeito a escrutínio do espectador. Como eleitor, e fui eleitor do presidente Bolsonaro, lembro de comentários de que o objetivo não era fazer esse tipo de negociação e agora está fazendo. Acho que está havendo uma discrepância.

O sr. acredita que o governo chega a 2022, que não corre o risco de sofrer impeachment?

Acho que as coisas vão se acomodar. Tem todas as condições para terminar o governo, mas precisa construir a paz social e o ambiente político. Há previsão legal do impeachment, mas procedimentos previstos, no entanto, não podem ser transgredidos. Não se pode fazer impeachment fora da lei.

O presidente se diz vítimas de uma conspiração. Concorda?

Não há conspiração nenhuma. Tem um ambiente tumultuado que precisa ser pacificado.

Há quem diga que Mourão seria um melhor presidente do que Bolsonaro. O sr. Concorda?

Não se deve fazer essa comparação e agravar o ambiente político. Não é construtivo. Críticas ao presidente são válidas, mas não esse tipo de comparação.

Presença de militar na política é fenômeno que veio para ficar?

Sem dúvida. É uma transformação. Há uma quantidade significativa de candidatos militares. É normal. A apresentação como candidato é válida, legal e o eleitor decide. É mais uma opção.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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